quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Síntese do Grupo de Trabalho 5

"Crise estrutural, desemprego e informalidade"

Coordenadores/as


Joelma Cristina dos Santos (UFU - Uberlândia)



Marcelo Dornelis Carvalhal (UNESP – Ourinhos-SP)


Maria Ap. da Cruz Bridi (UFPR – Curitiba-PR)




O capitalismo desde sua origem e desenvolvimento, apresenta uma história de crises sucessivas e de diversas durações. Atravessa crises estruturais e em cada uma delas, trata de se reorganizar, produzindo transformações em seu funcionamento. Na esteira de sucessivas crises no processo de acumulação capitalista, o trabalho, passa por variadas transformações e atinge a organização dos trabalhadores (Harvey, 1993).



Quando nos referimos à crise estrutural do capital, deve ficar claro que o significado da crise não é o de incapacidade de crescimento e expansão, pelo contrário, pois o crescimento de economias como a chinesa e a japonesa, dentre outras, demonstram o crescimento da economia capitalista. O que caracteriza a crise é a incapacidade que o capital encontra de se desenvolver – o desenvolvimento é entendido como o processo de transformações qualitativas no sistema econômico, ou seja, o crescimento não implica em desenvolvimento social e se intensificam as contradições entre as relações sociais de produção e as forças produtivas. Na da década de 1970, o avanço das técnicas e o surgimento de novas tecnologias tiveram um desdobramento no plano do desenvolvimento social, o que pôde ser percebido com nitidez por meio do aumento do desemprego estrutural e da precarização do trabalho, fenômenos criados pela reestruturação produtiva do capital.



Uma crise em si não é um problema ao capital, posto que as crises sejam de certo modo naturais ao funcionamento do sociometabolismo do capital, pois ao remover os entraves, o capital garante a sua expansão espacial, financeira, enfim sua dominação. A questão é que na atual conjuntura, a crise já está dentro dos últimos limites, não há mais para onde remover as contradições, pois elas se dão nas estruturas de sustentação do sistema (Santos, 2009).



Da crise de acumulação capitalista a partir da década de 1970, resultou em transformações no mundo do trabalho ocasionadas pelo processo de reestruturação produtiva. A “produção enxuta” decorrente se traduziu em um novo paradigma de emprego: flexível, precário e desregulamentado. O capital justificava que a rigidez no sistema de trabalho era responsável pelos problemas de emprego (Idem). Desse modo, empresas e governos passaram a desmontar os sistemas de regulação social estruturados, principalmente, durante a segunda metade do século XX. As empresas passaram a focalizar seus negócios, adotando formas flexíveis de produção com larga utilização da terceirização e subcontratação. Intensificaram-se o controle e os ritmos do trabalho, situação observada em diversas categorias profissionais como atestadas pelas pesquisas sociológicas das últimas décadas.



No caso do Brasil, país que não chegou a completar um Estado Social, tampouco uma modelagem fordista de produção, apresenta um quadro de piora nas relações salariais, no emprego sentidos mais fortemente nos anos 1990.



As mudanças no regime de acumulação geraram efeitos estruturais no mercado de trabalho e na demanda por trabalho, assim como, para as organizações coletivas dos trabalhadores. O capital, numa tentativa – não vã – de restabelecer o aumento dos lucros, reforçou a disciplina do trabalho. Sob o discurso da autonomia, promoveu ataques diretos à organização, aos salários e aos padrões de vida da classe trabalhadora (Bridi, 2005, 2009). Dentre as consequências decorrentes, está a concentração da riqueza e ampliação das desigualdades sociais, fruto, em grande medida, de políticas de desregulamentação do trabalho, de reduções salariais, de crescimento do desemprego e da informalização. De modo geral, é dentro desse quadro que as diversas pesquisas apresentadas para o debate no GT 5, denominado Crise estrutural, desemprego e informalidade expressam.



Podemos identificar nos vários trabalhos apresentados os eixos: precarização; precariedade; trabalho precário, informalidade, nova informalidade, crise, resistência, centralidade do trabalho, políticas públicas



Os artigos “Catadores de materiais recicláveis: do trabalho precarizado à novas territorialidades”; “O trabalho dos catadores de material reciclagem: reflexões sobre um trabalho precário e desumano”; “Catadores de materiais recicláveis como ‘expressão’ da metamorfose das profissões na cidade de são luis (ma)”; “Traços do perfil dos catadores de materiais recicláveis do município de Cruz Alta/RS”; “A luta dos catadores de material reciclável em busca do reconhecimento político e social nos municípios de cascavel e foz do Iguaçu – Paraná”, discutem a atividade de catação de matérias recicláveis. São atividades exercidas por aqueles que se encontram sem condições de obtenção de renda e trabalho por outros meios. São atividades precárias, tanto porque apresentam condições de trabalho ruins quanto por se tratarem de atividades exercidas na informalidade. As atividades de catação de resíduos nos remetem à discussão do discurso ambiental. Quais as implicações políticas do discurso ambiental? Discutir o conceito de emprego de qualidade, de trabalho decente proposto pela OIT.



Uma das questões que os artigos suscitam para a discussão diz respeito aos conceitos: precarização, precário, e precariedade. A Sociologia do trabalho vem buscando distinguir esses conceitos para evitar a banalização e a perda de conteúdo. Essa questão também desponta no artigo “Análisis de procesos de trabajo de trabajadores sociales en la argentina contemporánea. ¿Precarización o razón de ser?”



O artigoA fusão das casas bahia e ponto frio e as implicações para a classe trabalhadora: uma análise das mudanças nas relações de trabalho a partir da fusão das duas maiores empresas de varejo do país na cidade de Cascavel – PR”, é um exemplo cabal do movimento de reestruturação produtiva e da tendência crescente do capitalismo da monopolização dos mercados, da concentração capitalista. As implicações para os trabalhadores são de piora. Os processos de fusões expressão a tendência de contínua e crescente monopolização dos mercados.



Esses artigos assim como os demais, suscita o debate sobre em que medida a crise estrutural do capital impacta diretamente as mudanças nas diversas ocupações “novas” e “velhas”. Identificar o que de fato é novo é um dos desafios que a realidade nos impõe, visto que há velhas práticas que retornam com aparência de novidade, sobretudo no mundo do trabalho.



Os trabalhos que retratam parte do universo rural – “A precarização das condições de trabalho dos canavieiros migrantes do município de imaculada no sertão paraibano”; “Precariedade das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores canavieiros do município de cruz do Espírito Santo – PB”; “Modernização do Capital X Formas Assemelhadas de Trabalho Escravo: A Face dos Extremos no Agronegócio Canavieiro no Pontal do Paranapanema” – relacionados também ao trabalho precário daqueles que estão na franja da grande indústria do álcool. Nesse setor, o rural e o urbano estão imbricados. Ainda que seja uma atividade que remonta o Brasil desde suas origens, nos tempos atuais esse setor sofre os impactos das mudanças tecnológicas e da reestruturação produtiva.



Embora, a informalidade seja uma característica, mais ou menos, generalizada entre os trabalhadores - catadores de recicláveis, a informalidade é discutida mais diretamente nos artigos “O emprego doméstico em Marechal Cândido Rondon/PR: informalidade e marginalização”; “O arranjo espacial dos trabalhadores informais e o processo internacionalização de Curitiba-PR; “Informalidade” e “precariedade” no mundo dos trabalhadores: um estudo sobre as vendedoras de produtos por catálogo Avon e Natura”; “Trabalho precarizado na praia: os trabalhadores ambulantes de João Pessoa/PB”.



Chama a atenção, entretanto, o fato da informalidade estar diretamente ligada a grandes empresas nacionais, no caso da Natura, e a empresas internacionais como é o caso da Avon. Qual é relação com a crise estrutural do capitalismo? Quais são os discursos que sustentam esse tipo de trabalho informal, mas que se encontra travestido de moderno, de empreendedorismo?



A informalidade é uma característica, quase estrutural, do mercado de trabalho brasileiro. As trabalhadoras domésticas, por exemplo, historicamente, em sua maioria sempre trabalharam em condições de informalidade. Isso não deve ser motivo para justificar e naturalizar esse tipo de trabalho. O artigo nos remete a discutir as condições de trabalho das mulheres, no Brasil. Ainda que as mulheres tenham ampliado as conquistas, elas ainda são maioria no quadro da informalidade no Brasil, estando entre aqueles cidadãos de “segunda”, que “podem” viver em situações ainda piores, do que aqueles assalariados/registrados.



O conceito “nova informalidade” e sua relação com as transformações do trabalho no contexto da crise do capitalismo. O trabalho formal e o informal se encontram imbricados. O informal não está ligado apenas a trabalhos “tradicionais” como das empregadas domésticas, boias-frias etc. Ao contrário, hoje estão associadas ao grande capital, que se reorganizou no âmbito da crise capitalista para aumentar a lucratividade a partir da exploração do trabalho e inovações. Nesse âmbito, o trabalho em domicílio, o trabalho por produção, por peça – formas que caíram em “desuso” com o avanço das conquistas dos trabalhadores e de um direito do trabalho – voltaram a ser prevalentes. Tem relação com o que David Harvey denominou de uma “acumulação por espoliação”.



O movimento do capital, historicamente, tem encontrado resistência por parte dos trabalhadores. Os artigos – “Entre a existência e a subsistência: reprodução da vida e consciência de classe entre os jovens trabalhadores desempregados na periferia urbana de Vitória da Conquista – BA; “As primeiras associações de trabalhadores: os caminhos traçados e percorridos pelos trabalhadores urbanos brasileiros na instauração da previdência estatal e a política pública habitacional no Brasil ao longo das décadas de 1920 e 1930”; “O mundo do trabalho e o exercício do direito de greve: uma análise do contemporâneo sistema de controle social do direito do trabalho”; “Aplicação do conceito de “resistência cotidiana” de James C. Scott ao universo das organizações empresariais: perspectivas e aproximações”; “A relação capital x trabalho e os limites do sindicalismo na agroindústria canavieira da microrregião geográfica de presidente prudente – SP” –, tem em comum o eixo da resistência histórica dos trabalhadores e da ação sindical à exploração do trabalho. Uma questão que salta à vista nesses tempos de crise e das tantas ações que vem ocorrendo em diversas partes o mundo, é justamente sobre a capacidade da organização dos trabalhadores desencadearem uma contraofensiva ao neoliberalismo e os desmontes de direitos. Isso nos direciona ao debate sobre os limites e possibilidades do sindicalismo. O sindicalismo está em crise? Qual é a crise do sindicalismo? Como o movimento dos trabalhadores vem (re)agindo nesse cenário de perdas de direitos e piora nas condições de trabalho?



Para Alves (2006b), este fenômeno demonstra uma crise estrutural do sindicalismo, que possui vínculos com a lógica do novo regime de acumulação do capital. “Essa nova cultura neocorporativa é não apenas expressão de uma crise do sindicalismo, mas explicita o surgimento de um sindicalismo de crise, uma forma de prática política e sindical incapaz de ir além da lógica do capital” (ALVES, 2006b, p. 465).



O artigo “A exploração do trabalho no jogo do bicho em Itabaiana Sergipe”, nos remete à discussão sobre o trabalho ilegal e a outras formas de trabalho nessa condição. Como pensar a relação desse tipo de atividade, histórica, por sinal, com o Estado e a sociedade brasileira.



De modo geral. os artigos,, também trazem questões teóricas suscitadas pela realidade investigada. Mas eu chamo a atenção para os textosDiálogos transdisciplinares entre a psicologia, a sociologia e a geografia. Em busca de uma compreensão para uma transformação e ressignificação do trabalho na atualidade”; “Fim do trabalho. Ameaça inquietante ou libertação do mundo da necessidade?”



Esses estudos revelam que a crise enfrentada pelos trabalhadores, em decorrências das transformações no mundo do trabalho, também embaralham o campo das ideias. Isto é, levaram a uma crise das teorias. Uma dessas crises diz respeito ao debate da centralidade do trabalho. Trata-se de um debate carregado de ideologia, pois mesmo aqueles considerados intelectuais de esquerda passaram a negar a centralidade do trabalho, da classe. Os que negam a centralidade do trabalho também costumam negar a centralidade das classes e da luta de classe. Como pensar a luta de classes nesse processo? Em que medida a “resistência cotidiana” tem sido capaz de questionar a exploração no trabalho, e principalmente, trazer à cena outras perspectivas. O fim da centralidade do trabalho, inclusive enquanto categoria de análise, foi anunciado por autores, sobretudo, europeus, assentados em realidades particulares. Aqui cabe uma questão de ordem também metodológica, que é a tendência em se tomar a parte pelo todo. Historicamente, categorias desaparecem, outras são criadas, sem que isso implique em fim da centralidade do trabalho. Vale o debate.



Dessa forma, ao invés de se falar no fim do trabalho, ou no fim da centralidade, entendemos que os intelectuais comprometidos com a emancipação do trabalho, devem refletir sobre a ampliação da classe trabalhadora, que se torna mais complexificada, ampliada pelo e para o capital.



O artigo “A expansão comercial em Salto del Guairá – Paraguai: condições de trabalho dos brasileiros”, embora tenha objetivado estudar as condições de trabalho dos brasileiros no comércio em Salto del Guairá, demonstra a importância do trabalho na sociedade contemporânea, exprimido pelos movimentos de migração de trabalhadores em busca do trabalho. A migração/imigração se constitui em um dos pontos de intensos conflitos no continente europeu e mesmo norte-americano. Esse movimento leva a reconfigurações dos espaços e mesma da relação entre países.



Os artigos O PETI no município de João Pessoa: uma avaliação”/ “Os programas de transferência de renda mínima e a precarização dos direitos do trabalho” nos oportuniza à discussão sobre os enfrentamentos da questão social pelo Estado. A avaliação dos programas sociais é uma ferramenta importante, inclusive para reorientação política. Os textos nos remetem a discussão sobre o programa da renda mínima. Em que medida tal programa pode ser considerado como um instrumento de passivação da classe trabalhadora? Tem conseguido reduzir a pobreza e a histórica desigualdade social do Brasil? Quais os avanços e quais as limitações?



Formas alternativas de enfrentamento do desemprego, da falta de trabalho pelos trabalhadores, é trazida no artigo “Mulheres na economia solidária: uma alternativa de inclusão ao mercado de trabalho”. Constitui-se apenas em forma alternativa de inclusão no mercado de trabalho?



Por fim – não no sentido de esgotamento das questões que o conjunto das pesquisas trazidas no GT5 nos trouxeram – mas, o artigo “Superexploração e violência invisível do trabalho no contexto da reestruturação do capital”, apresenta um título sugestivo para expressar bem os resultados da reestruturação produtiva. Esta muitas vezes, assentada nos discursos da modernização capitalista, tem levado a crescentes graus da exploração do trabalho. Isso nos desafia a buscar ir além das aparências. Por traz de um trabalho (re)configurado se esconde a espoliação dos trabalhadores. Por traz do trabalho do catador de resíduos, do ambulante, do boia-fria da cana de açúcar, dos migrantes em busca de trabalho, das vendedoras de cosméticos e tantas outras modalidades de trabalho, está o grande capital, que se redimensiona, se reorganiza para ampliar e retomar levados níveis de lucratividade.



A riqueza trazida pelas pesquisas do GT 5 não cabe nessa precária síntese. O intuito aqui, foi de tão somente apontar alguns dos eixos que poderemos aprofundar e debater nessa XII Jornada do trabalho.


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